quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Tristeza e pé no chão

Uma das coisas mais engraçadas sobre a vida é o quanto a gente muda. E parece até que quanto mais frisarmos o quanto odiamos ou amamos uma determinada coisa ou situação, mais oposto será o nosso sentimento depois, rs.
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Assim foi comigo e o samba.
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Fui uma criança e adolescente enjoada para música, não ouvia quase nada. Gostava das coisas que minha mãe ouvia, Barbara Streisand, Carly Simon e outras músicas românticas, sempre em inglês. Decididamente, a música brasileira não me agradava.
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Em especial o samba. :-)
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Hoje acho uma delícia escutar um bom samba e especialmente, é claro, dançar. O que antes achava repetitivo e monótono (hein?!?!) hoje é garantia de horas e horas de diversão, sem descanso. Uma noite de samba, para mim, equivale a 10 sessões de massagem relaxante, acompanhadas de uma caixa de chocolates Lindt com champagne!! Adoro os mais antigos, românticos, debochados, porém sem tanta malícia, tristes... Engraçado como samba gosta de ser triste, rs. Curto um samba-enredo, porém em doses moderadas, pois haja perna pra tanta velocidade (aproveito para registrar meu profundo respeito às rainhas de bateria, vôte...). E sinto uma satisfação a mais por cantar e dançar um ritmo que é tão a cara do meu país.
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Bom, o samba que vou postar aqui se chama "Tristeza e pé no chão", cantado por Clara Nunes. Adooooro!!





Dei um aperto de saudade no meu tamborim
Molhei o pano da cuíca com as minhas lágrimas
Dei o tempo de espera para a marcação e cantei
A minha vida na avenida sem empolgação

Vai manter a tradição
Vai meu bloco, tristeza e pé no chão

Fiz o estandarte com as minha mágoas
Usei como destaque a sua falsidade
Do nosso desacerto fiz meu samba enredo
Do velho som da minha surda dividi meus versos

Vai manter a tradição
Vai meu bloco, tristeza e pé no chão

Nas platinelas do pandeiro coloquei surdina
Marquei o último ensaio em qualquer esquina
Manchei o verde esperança da nossa bandeira
Marquei o dia do desfile para a quarta-feira

domingo, 11 de dezembro de 2011

Andanças


Caminhar tinha um gostinho de vida de verdade que poucos pareciam entender. Havia uma alquimia curadora entre o cheiro do chão no calor escaldante, o ar pesado e úmido e sua respiração, aos poucos pausada e profunda. O cansaço das pernas trazia-lhe a serenidade de quem sabe: estou aqui. Essa presença se confirmava nas papoulas vermelhas do canteiro na rua, nas orquídeas violeta dos condomínios de elite, nos olhares absortos do povo simples que como ela caminhava, anônimo, seguindo seus destinos invisíveis.

Nessas andanças, romanceava sua cidade. Antecipava a diversão de ultrapassar cada obstáculo do caminho, imaginando o que vinha pela frente e fazendo pequenas alterações de rota, em busca das ruas mais bonitas e arborizadas, para passar por dentro de um parque ou escolher uma via menos deserta. As calçadas tornavam-se testemunhas, confidentes silenciosas de seus sentimentos mais guardados. Fizera amizade com elas, há muito. Lembravam-lhe dos dias conflituosos, do medo da rua, das pequenas vitórias e também dos tropeções, como daquela vez em que caíra retinha no chão de cimento, somente amparada pelas mãos. Um homem aproximou-se correndo e limpou suas mãos com as dele, afeto e cuidado simples que se daria a uma criança. Ela riu, por dentro.

Descobrira o prazer de descobrir uma nova cidade dentro da sua - quantas coisas são perdidas quando se anda de carro! Atravessar uma ponte a pé, por exemplo, revela um rio muito mais bonito. Pensava na sorte que tinha de estar experienciando realmente a vida. Pois, para ela, era assim: até o céu a pé tinha outra cor.

Quando perguntada sobre o que pensava dessa vida de andarilha, disse:

"Caminhar é um ser pequena que é ser grande. Ser livre, sem limites. É se misturar com o ar e com o céu, enquanto o corpo leva aonde se quer ir."