domingo, 11 de dezembro de 2011

Andanças


Caminhar tinha um gostinho de vida de verdade que poucos pareciam entender. Havia uma alquimia curadora entre o cheiro do chão no calor escaldante, o ar pesado e úmido e sua respiração, aos poucos pausada e profunda. O cansaço das pernas trazia-lhe a serenidade de quem sabe: estou aqui. Essa presença se confirmava nas papoulas vermelhas do canteiro na rua, nas orquídeas violeta dos condomínios de elite, nos olhares absortos do povo simples que como ela caminhava, anônimo, seguindo seus destinos invisíveis.

Nessas andanças, romanceava sua cidade. Antecipava a diversão de ultrapassar cada obstáculo do caminho, imaginando o que vinha pela frente e fazendo pequenas alterações de rota, em busca das ruas mais bonitas e arborizadas, para passar por dentro de um parque ou escolher uma via menos deserta. As calçadas tornavam-se testemunhas, confidentes silenciosas de seus sentimentos mais guardados. Fizera amizade com elas, há muito. Lembravam-lhe dos dias conflituosos, do medo da rua, das pequenas vitórias e também dos tropeções, como daquela vez em que caíra retinha no chão de cimento, somente amparada pelas mãos. Um homem aproximou-se correndo e limpou suas mãos com as dele, afeto e cuidado simples que se daria a uma criança. Ela riu, por dentro.

Descobrira o prazer de descobrir uma nova cidade dentro da sua - quantas coisas são perdidas quando se anda de carro! Atravessar uma ponte a pé, por exemplo, revela um rio muito mais bonito. Pensava na sorte que tinha de estar experienciando realmente a vida. Pois, para ela, era assim: até o céu a pé tinha outra cor.

Quando perguntada sobre o que pensava dessa vida de andarilha, disse:

"Caminhar é um ser pequena que é ser grande. Ser livre, sem limites. É se misturar com o ar e com o céu, enquanto o corpo leva aonde se quer ir."

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