sexta-feira, 15 de junho de 2012

Sociedade do Processo

Outro dia ouvi no rádio o caso de uma mulher que, flagrada em relacionamento com um homem casado, entrou com processo por Danos Morais contra a esposa traída, por ter ouvido da última uns bons desaforos. 

Na mesma semana, ouvi também sobre um homem que, após dificuldades na efetivação de uma compra, sentiu-se ofendido pelo fato de a vendedora ter feito um sinal para que o segurança da loja se aproximasse. Conforme relato do próprio homem, não houve contato físico entre ele e o segurança, ele não foi tirado da loja à força, nem ao menos convidado a sair. Ainda assim, a funcionária do Procon, consultada pelo programa, orientou-o a entrar com a ação por Danos Morais, por ofensa cometida pela despreparada vendedora. 

Ambos os casos me deixaram boquiaberta. No primeiro, porque alguém que se intrometeu em um casamento tenha decidido que não merecia ouvir xingamentos por parte da vítima da traição. No segundo, porque a funcionária do Procon tenha recomendado a abertura de processo em decorrência de um constrangimento tão pequeno... 

Mais surpresa ainda fiquei ao constatar que muitas pessoas concordam que, no segundo caso, era justa a abertura de processo. E que, no primeiro, dependendo do prejuízo que os xingamentos causassem - como perda de uma promoção ou de emprego - a ação seria justa... Ou seja, se a esposa traída trabalhasse com a amante de seu marido e explodisse com ela no ambiente de trabalho, resultando em antipatia das pessoas em relação à última (antipatia essa que pudesse evoluir a uma perda de emprego ou de promoção, embora isso seja um tanto difícil de provar), seria a esposa traída merecedora de processo?

Tenho medo disso em que a nossa sociedade parece estar se transformando. Nos Estados Unidos já é assim: se você espirrar sem tapar o nariz, é capaz de sofrer um processo da parte de algum passante que se julgue prejudicado pela sua rinite. E pode ser que ele ganhe.

Será mesmo que as pessoas não deviam tentar lidar com as suas frustrações, sem ficar o tempo inteiro procurando um culpado? Será que o homem que se sentiu atingido pela chegada do segurança da loja não poderia simplesmente perceber o quanto a vendedora estava despreparada e até fazer piada da situação? E eu não vou nem comentar o caso da amante, fala sério...

Sou decididamente contra essa mentalidade do processo. Não acredito em uma sociedade em que as pessoas têm a possibilidade de lidarem com seus brios e melindres judicialmente. Se eu fosse juíza, sentenciaria o queixoso a fazer uma reflexão profunda sobre si mesmo, sobre os próprios julgamentos em relação a si na situação, enfim, sobre o que realmente lhe incomodou tanto. Um bom juiz decide de maneira que ajude a sociedade a crescer, evoluir. E crescer é assim: a gente vai aprendendo que não adianta fazer birra. 

A sociedade do processo endossa o comportamento irado e irrefletido de crianças mimadas, que não estão dispostas a lidar com um mínimo de chateação. Crianças-adulto que têm nas mãos um instrumento poderoso para exercer sua vingança, sentindo o gostinho de aniquilar o oponente, arruinando-o financeiramente. E quando isso acontece, o único ˜vencedor" é a Inconsciência...    

Um comentário:

  1. A última frase fechou com chave de ouro.

    Essas pessoas sofrem do mal de não tomar responsibilidade por si próprios e pelos seus atos. Imagina os filhos que criarão. Afe.

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